Menina dos olhos tristes, desenganada, deixou cair algumas lágrimas depois de passar a manhã inteira pensando em como seria a sua vida tropeçando e jogando as pedras para os cantos.
Família, professores, destino, concursos, mundo, capitalismo, cinema, arte, teatro, morar debaixo da ponte, desemprego, mundo, viajar, dinheiro, independência?
Talvez tudo isso fosse apenas peças de um quebra-cabeça feito por toda a sua demência...
Um dia lhe falaram para parar de pintar um quadro com aquarelas, pegar um livro de receitas culinárias e aprender a cozinhar, mas a vida todos os dias de manhã em frente ao fogão e enfeitando pratos que logo seriam devorados sem que ninguém admirasse ou ao menos pensasse; ’nossa, que bonito!’, e então se isso fosse acontecer todas as manhãs assim até envelhecer seria o mesmo que chegar ao último dia de vida vegetando e se perguntar; ‘ como é que eu vou morrer mesmo?’, e seria uma pergunta em vão, pois, a Menina por nenhum dia teria vivido...
Foi quando ela esfregou os olhos e deixou a última lágrima cair bem devagar, ela olhou sua imagem desmanchada no espelho, sua figura sem graça, sem ânimo, sem vida, um destino sendo traçado por tantos e por ela apenas as pedras eram jogadas para os cantos ao invés de retirá-las do caminho e guardá-las para construir seu castelo ou mesmo uma ruína lá na frente, mas algo que fosse seu...
Naquela manhã de pouco sol e sem nenhum destino guiado ao longe pela luz de um farol, a Menina sorriu e pela primeira vez sentiu uma coragem que era a sua mais nova amiga, nesse dia ela se concentrou e começou a viver...
No começo seria muito difícil, mas como seria entender essa vida que nunca será tão tranqüila sem ter uma mala pronta pra viagem?
Desistir é para muitos, mas insistir sempre será para poucos, por que enquanto as pessoas se acomodam com qualquer coisa, outras, pescam seus sonhos devagar e um dia tudo isso brilha ao se realizar.
O fim do avental sujo, as mangas limpas e os pratos decorados, não poderia ser o fim do mundo para a Menina que ainda era tão jovem, talentosa e tinha a vida inteira pra correr atrás dos melhores minutos que compõe o tempo desta história...
Hoje, talvez a vida esteja mais fácil para tantas pessoas a sua volta, mas o que isso lhe importa?
Água de coco, piscina, praia, coqueiros, conta bancária gorda, tudo isso são peças de um quebra-cabeça que a maioria das pessoas passa o tempo inteiro tentando montar, mas, e quando algumas peças são difíceis de encaixar e com amor, alegria, aventura e talento não se podem jogar? O que essas pessoas podem fazer?
Talvez, completar o restinho de suas vidas desfazendo a mala que deveria estar pronta para viagem, e guardar os sonhos no armário, colocar nas gavetas todos os conselhos que outras pessoas lhe deram tanto tempo atrás, talvez eles sejam úteis algum dia quando pela janela essas pessoas observarem outras pessoas mais jovens com uma coragem de tentar viver todos aqueles sonhos que elas deixaram passar e que hoje apenas estão dentro do armário, um pouco fora de moda eu diria...
Mórbida vida? Foi assim que essas pessoas escolheram a velhice, passaram o tempo inteiro se preocupando com o que os outros queriam que elas fizessem, e se esqueceram de se olharem no espelho e se perguntar; ‘pra onde eu vou?’
Com certeza, só esta pergunta seria o suficiente para que essas pessoas pudessem refletir e ter coragem de colocar todos os sonhos dentro da mala de viagem e mesmo que ainda fossem obrigadas por tantas circunstâncias a retirar pedras dos seus caminhos, elas não ás chutariam para o canto, elas construiriam um castelo ou uma ruína que seria o lugar mágico em que seus sonhos, talentos, coragem e insistência poderiam descansar com toda a pompa de um só encanto...
Menina dos olhos alegres, brilhantes, cheios de coragem, esqueceu que por algum minuto foi triste e traçou caminhos pelos quais sonhar, viver, ela sempre insiste...
Um dia, não sei quando e em que calendário o destino fará um x, mas um dia, a Menina vai acordar um pouco mais feliz por ter conseguido alcançar todos os sonhos que se quis ter com o todo o talento de ser a aprendiz que nunca desistiu de ouvir o seu coração mesmo que a razão lhe pedisse para ser um outro alguém...
E quando a velhice chegar, talvez com um velho rabugento amado ela possa na varanda conversar, rodeada de tantos netinhos que pelo jardim estarão a brincar; nesse dia ela completará o quebra-cabeça da vida e quando outra vez se perguntar; ‘pra onde eu vou’, seu coração responderá; ‘viver um sonho feliz que a vida lhe fez aprendiz e que dinheiro nenhum comprou, foi pelo seu esforço e coragem que o sonho se realizou...’