Monday, August 6, 2007

Humilhação!


Será só humilhação ou a Menina poderia percorrer por longas milhas de toda a sua imaginação quando você lhe disse não?
Na velha biblioteca da memória, em algum lugar no alto de qualquer estante, ela guardou em ordem de emoções um livro, um que ficou entre o fundo do poço no seu delírio mais triste e a aquela sensação de uma luz bem longe, e sem lanternas foi muito difícil encontrar as molas naquele buraco escuro...
O livro era como àquela melhor amiga verdadeira, amiga que não enxuga suas lágrimas e ainda diz; ‘ chora mais, você precisa muito colocar tudo isso para fora’...
Ao sentar debaixo de uma árvore no cantinho da escola, a Menina leu as primeiras páginas muito assustada e começou observar ao seu redor todas as verdades que estavam próximas...
Logo ali na cantina, tinha um menino de óculos, com um pouco de sardas pelo rosto, nariz um pouco grande, cabelos lisos e louros, ele estava tão só e comendo o seu lanche com certo receio de que...
O time dos garotos gordos da escola que próximo ao Menino jogava futebol, desse uma pausa e começasse a caçoar do garoto de óculos e sardas, solitário e que ganhava todas as medalhas no primeiro lugar na feira de ciências...
Faminto o Menino comia um sanduíche natural e bebia uma caixinha de leite, de repente, tudo o que a Menina viu, foi o lanche do Menino voar...
Continuou lendo mais algumas páginas daquele livro que falava sobre a humilhação e observou ainda sua amiga de classe que era meio gordinha, tinha o cabelo um pouco cacheado, um nariz de porquinho e gostava muito de um Menino ruivinho que era considerado o mais lindo de toda a escola... Ela pediu para outras amigas entregarem uma cartinha de amor, mas o time de menininhas louras, magras e de olhos claros apenas ria junto ao garoto ruivinho, enquanto, aquela Menina gordinha e com nariz de porquinho, observava de longe com os olhos cheios de lágrimas...
E sem poder fazer nada, a Menina continuou a sua leitura até bater o sinal e subirem para as salas de aula, quando ao entrar na sala...
Ela viu alguns colegas rabiscando o quadro com giz, e desenhando caricaturas ofensivas da professora de artes que tinha aparelhos nos dentes e um lado da boca repuxado. Era a melhor professora que a turma poderia ter e era a mais boazinha, a mais atenciosa, era uma pessoa inteligentíssima, e alguns alunos nunca prestaram atenção nisso até que ela entrasse na sala e se sentisse muito humilhada, mas, eles foram ao ponto fraco dela... Algumas semanas depois, a professora de aparelhos nos dentes e com a boca repuxada foi embora da escola e no seu lugar entrou um professor bem carrancudo e sem graça que mal sabia explicar o conteúdo, nesse dia, aquelas pessoas sentiram falta...
Duas semanas depois, a Menina terminou de ler o livro, e antes que fechasse a última página ficou observando a gravura de um menino no fundo do poço sem lanternas, procurando as molas e aquela luz bem ao longe...
Incrível! Foi bem assim que ela tinha se sentido quando começou a ler o livro e perceber que ao seu redor o mundo humilhava constantemente muitas outras pessoas, e será que humilhações são coisas tão ruins assim?
Pense se fossem tão ruins, por que existiria uma luz mesmo que longe naquele poço?
Foi o que a Menina ficou pensando algumas noites em claro, e viu dentro de sua própria casa o Pai reclamando do Chefe e a Mãe reclamando por ter perdido um concurso interno no emprego, ambos, sentiam se tão humilhados, no entanto, ela pôde perceber que todo aquele sentimento ruim logo foi se tornando algo positivo, pois, alguns dias depois o seu Pai após refletir as reclamações tinha sido promovido e a sua mãe tinha feito outros concursos melhores, maiores e tinha passado com grande sucesso.
Alguns anos se passaram e veio o seu primeiro namorado, e tudo era bonito, os dias que passaram juntos foram os mais coloridos e até a música que passava na rádio tocada pela mais desconhecida bandinha de rock, era muito legal, era a música mais especial e nunca ninguém tinha ouvido falar daquela letra, até mesmo parecia que era a última canção de um velho disco...
E numa quinta-feira nublada, cinza, a Menina acordou com o coração doente, triste, carente, cheio de saudades e várias borboletas no estômago, este foi o fatídico dia em que o namoro terminou.
A primeira sensação era que o teto estava abaixando devagar sob a sua cabeça e que talvez fosse muito bom se ela pudesse enfiar a sua cabeça no vaso sanitário, apertar uma vez a descarga e ouvir o despertador tocar, como se aquilo tudo fosse apenas um sonho ruim do qual ela estava apenas despertando na manhã cinza...
No entanto não era bem assim, a Menina se viu no espelho com os olhos refletindo a alma e ela começou a se sentir tão humilhada e a cada minuto que se passava ela se perguntava o que tinha de errado e sabe qual a resposta?
Nada, não tinha nada de errado, assim como não tinha nada de errado com o seu amiguinho da escola que bebia leite e era o mais inteligente da turma.
Ploft! Ela caiu deitada na sua cama e começou a olhar o teto e percebeu que ele rodava tanto, tanto, os seus pensamentos e as suas emoções...
Chorou, chorou muito até soluçar e telefonou para a sua melhor amiga que apenas disse para tomar um banho frio e chorar um pouco mais debaixo do chuveiro porque isso lhe faria muito bem.
Sem dizer uma só palavra depois de ouvir isso, a Menina deu um último soluço e desligou o telefone, aos poucos tirou sua blusa de frio, depois as suas meias, o seu short e a ‘cirola de bolinhas’, e entrou na ducha fria, sentou no cantinho do banheiro com a água refrescando o moinho de ventos dos seus pensamentos; a Menina passou mais ou menos uma hora chorando e depois se levantou, desligou o chuveiro, pegou uma toalha quentinha e encarou com um sorriso o seu enorme espelho que muito lhe parecia ameaçador...
Secou suas madeixas naturais, subiu na balança e não muito contente vestiu um vestidinho preto básico para dar uma volta sozinha pela cidade.
Pensou em tudo que ela tinha aprendido com aquele livro antigo, escondido na biblioteca das emoções e percebeu que não era vitima das humilhações afinal ela não tinha do que se arrepender e o mundo não poderia explodir só por que um namoro não deu certo ou no primeiro emprego não teve muito sucesso.
Ali a sua volta existiam valores maiores que nenhum dinheiro e nenhum retrato no mural do quarto podiam valer, a sua volta existiam pessoas que passavam por tantas humilhações, e que na verdade não era bem isso, não era algo ruim, eram apenas momentos para que essas pessoas pudessem imaginar milhares de novas ações para as suas vidas...
Naquela quinta-feira cinza, sem ter o que colorir a Menina entendeu o verdadeiro sentido de existir; e aprendeu que a humilhação é apenas o reflexo inverso de milhas percorridas dentro da nossa imaginação até termos coragem de viver uma nova ação!