Sunday, January 7, 2007

Meninas de Vênus




Outra vez, numa tarde chuvosa, sem muito o que fazer, dois amigos começaram a relembrar algumas bobagens...

---É, num daqueles dias que ficou lembrado por simples anotações de diários.

--- Sexta-feira, já faz tempo, uns sete anos talvez...

---Diários?

---Sim, diários daquelas meninas meio esquisitinhas, com sonhos brilhantes, aquelas com um jeito meio diferente, não muito bonitinhas e que começavam a entender qualquer coisa sobre o mundo real.Ah, você sabe como é, o primeiro beijo, a primeira festa com as amigas, o primeiro encontro no cinema, a primeira bebida alcólica, o primeiro salto super alto, a mini-saia dobrada na cintura pra ficar mais curta, bléh, as primeiras borboletas no estômago...

---Sei! O primeiro encontro! O segredo entre amigas que deixou de ser segredo, porque sempre tinha uma amiga fura-olho?

---Então, a primeira vergonha! Nossa, ainda me lembro do meu primeiro gesto de timidez e o mundo foi rodando, as maçãs do meu rosto se avermelhando, meu estômago tinha borboletas voando, e tudo continuava rodando e rodando e de repente ...

---O que aconteceu?

---Alguém, seguro minhas mãos! E foi tão legal, eu senti uma energia que tranquilizava, eu sorri e comecei a sair do chão, descobri que a emoção me dava asas...

---Não entendi!

---Mas não sei explicar o que é mágico, porque o que é mágico é apenas mágico!

---Ih, você não fala coisa com coisa!

---Sabe, foi tudo tão veloz, olhei no fundo dos olhos, fechei os olhos, já não ouvia nenhuma outra voz, e beijei! Descobri o que era um beijo!

---Sabia, sabia que não era grande coisa...

---Como assim?

---Todo esse mistério pra me contar do seu primeiro beijo na boca?

---Olha lá como você se refere ao meu primeiro beijo na boca! Foi estranho, a principio achei algo meio nojento, bléh, mas depois logo esqueci porque era uma sensação tão divertida...

---Divertido? Pra você beijo era algo divertido e nada mais?

---E o que mais poderia ser o beijo, oras bolas?

---Poderia ... Aliás, deveria ter sentido alguma coisa minha querida!

---Ah, eu senti sim, e foi uma sensação da qual eu nunca mais esqueci...

---Que bom que você sentiu! E como as meninas sentem isso?

---Uai, como se sente frio na barriga? Foi o que senti! E por um acaso existe diferença de frio na barriga entre meninas e meninos?

---Viu, depois você não entende quando dizem que as mulheres são complicadas...

Chovia lá fora, não tinha muito o que fazer em casa, era uma tarde nublada e alguns amigos reunidos na casa da Carol.

Julie e Paulo trocaram algumas idéias, falaram bobagens e epesar de grandes amigos não entraram em acordo...

Talvez o problema fosse muito simples, talvez o problema fosse alguns nãos trocados, sentimentos redesenhados ao coração, talvez fossem apenas falta de tirar os pés do chão e tentar como no minuto do primeiro beijo, sentir e voar com a imaginação!

De repente, tudo flui de forma tão simples, o primeiro beijo, o primeiro namorado, o primiero choro no colo de quem na sala de aula senta ao seu lado, e a primeira decepção...

Aos pouquinhos, sempre surge um amigo ou uma amiga com um bilhetinho confidencial e nos dias de festa da escola, sempre teve o jogo da verdade, você sempre blefou, se reservou, escreveu, desebafou, apenas para seu diario de papel você tudo contou...

Depois, você começou a acreditar que tinha melhores amigas, e começou a selecionar de fato quem eram as suas verdadeiras e melhores amigas, de fato, aquelas que não trairam a sua confiança, talvez já eram amigas desde criança, aquelas que lembravam do seu aniversário e cantavam um 'com quem será super afinado' e você tinha vontade de se enfiar num buraco, e também aquelas que eram sempre aquelas, as três preferidas, as mais queridas, as que tinham uma medalhinha de melhores amigas, pois você se referia ás outras sete como tal, enfim, ás três mais sapecas, divertidas e que sempre enfrentavam todas as paradas sem se separarem no final.

Travessuras, era a palavra-chave, era o motivo dos bilhetinhos na escola, os segredinhos, os atrasos pra entrar na aula, as inseparáveis, elas nem gostavam muito da aula de teatro, mas estavam lá com você, apenas para te colocarem pra cima e te ajudarem a brilhar, e por elas, você sempre fez muito mais!

Lembra daquele dia de sol de rachar, cólica de matar, uma espinha horrivel na ponta do nariz e aquela Tia chata que lhe disse que meninas com espinha na ponta do nariz, querem muito namorar! Pra você, isso era um pavor, um horror, era como se você estivesse com um letreiro luminoso de todas as cores na sua testa escrito: 'namora comigo?', e esta sensação surreal de correr atrás te entristecia, você se camuflava, batia a porta do quarto, se escondia no final de semana dentro de casa, porém, quando o telefone tocava e as suas super amigas imploravam pra colocarem em ação o plano de fuga, você esquecia a espinha, o menino da festinha, a imaginação, seu espelho mostrando sua feiurinha...

Você, corria pro banheiro tomava um banho gelado, imaginava a história de 'Romeu e Julieta ' e uma praia com milhares de unicórnios alados, depois, falava pra sua mãe que ia ao cinema com as suas super três amigas e outras talvez...

Cinema? Psiu! Este era o grande segredinho! Vocês adoravam ir á um shopping, um que ficava bem perto de uma festinha, de uma certa matinê e próximo á uma feirinha que por um acaso terminava no mesmo horário da matinê, e até tinha me esquecido, era na mesma rua da casa de sua prima super gente boa, é um plano perfeito para dar para quem fosse buscá-las, uma boa desculpinha...

Pestinhas? Elas? Quem saberia dizer o motivo da segunda-feira de manhã ser tão empolgante?

Ah, como é possível sentir saudades daquela época que os sonhos eram de papel, que existiam laços de amizades guardados nas cores de um anel, que banhos de chuva na hora da educação física era motivo pra festa na terra e no céu?

Talvez, fomos a última geração mais próxima do woodstock, da emoção, do beijo em tarde com trovão, em matinês e medo da escuridão, em fugas, planos perfeitos, bilhetinhos trocados, enfim, emoção e infinitas vezes emoção...

Pois não tínhamos muitos celulares para nos vigiar, tínhamos mais mães pra se enlouquecer, nossa imaginação era mais livre pra voar, todos os segredos para esconder, e ainda éramos alunas exemplares, apesar de poucos anos luz da era de aquário, estar...

Hoje, há um baú no quanto do quarto para todas as lembranças guardar, estamos à menos de um passo da era de aquário se perpetuar, e fica no último moinho de vento da nossa imaginação a pergunta: ainda, será possível amores de infância que foram feitos de sonhos se realizar?

Perguntas, que não estão sem respostas, mas que ficam cada vez mais complicado responder, pois, o sentimento que era diferente entre meninos e meninas no minuto do primeiro beijo, hoje, é o que a humanidade chama de amor...

Mentira, infinitas vezes mentiras, porque isso não é amor! Tudo bem, nem o Renato Russo conseguiu responder e quem me dera eu saber?

Mas, as notícias dos jornais denunciam todos os dias que o amor que a humanidade sente, vive e crê; ontem, hoje e amanhã, é como se fosse um simples; 'bom dia'. Antes, no tempo que nunca esqueci, o amor não era assim, lá existiam cartas, flores, namoros na pracinha, nomes desenhados nos troncos das árvores ( talvez, ninguém nunca soube que a inicial foi riscada), segredos de papel, romances fora dos livros e emoções nunca publicadas, ainda que tudo estivesse no incío e no fim, do que se transformou o mundo hoje e do que se confunde dentro de mim.

Hoje não existe amor nenhum para confiar, segredos para contar e sonhos para buscar! As pessoas, estão a cada dia mais sozinhas, ranzinzas, o amor é cada vez mais cinza e todos amam assim como jogam um jogo em por uma simples sina! A sina da busca do prazer que chamam de amor, e que na manhã do dia seguinte já possue outra cor, outra publicação, outro sabor? Amor que se transformou em bom dia e nada mais ...

Quando olho para os lados, vejo ainda saudades em porta-retratos, quando me viro e olho para trás, eu vejo um caminho que está cada vez mais longe de ser alcançado... Lá ao longe, muito longe, foram ficando aquelas grandes amigas, foram surgindo outras tanto quanto especiais, foram se misturando infinitas trilhas e eu aqui olhando, olhando, fui ficando cada vez mais sozinha e confusa ...

Ás vezes, surgem colegas impertinentes a questionar o que eu tanto observo ao invés de viver, de simplesmente me entregar, fingir que posso sentir a mesma sensação de borboletas no estômago de quando existiam aqueles beijos? E embora, esta sensação não se prende a pessoas e sim a reciprocos sentimentos, hoje por mais que eu tente reconstruir estes momentos com pedacinhos do meu passado que deixei guardados durante todo este tempo, sozinha seria impossível... Talvez, só seria possível ao lado de um coração igualmente sensível, mas como atingi-lo? Se o mundo se transformou nesse buraco negro sem carinhos que o próprio homem para se enganar sobre o amor, criou?

Observo, choro, faço uma prece, ás vezes esqueço e deixo fluir, até que um dia alguém poderá descobrir que sensibilidade, emoção, paixão, não são fraquezas, são apenas aquelas borboletas que há tempos costumávamos sentir ... E se um dia um coração estes segredos descobrir, talvez eu seja capaz de contar porque as meninas da última geração da emoção, são de Vênus e os meninos são de Marte!


Hakuna MaTaTa






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